quinta-feira, 14 de outubro de 2010

a queda

Tudo estava perdido. Não tinha mais nada em mãos a não ser alguns trocados amassados e seu próprio destino. Mas que destino tinha? Delírios. A noite não havia lhe caído bem. Com a cabeça baixa ria de uma forma marota olhando para o cigarro entre seus dedos ossudos, brincando com a fumarola que empestava a sala. Hora e meia levantava a cabeça, virava a cabeça para o lado e olhava pela janela o movimento passar. "Não passa ninguém que presta nessa merda" pensava a todo instante. Tinha certeza. Levantou, pegou a caneca e a encheu com água da torneira mesmo. Já não ligava mais para coisas assim, já havia tomado líquidos piores em copos sob condições higiênicas duvidosas; "Dos males, o menor". Mas não se orgulhava disso, muito pelo contrário, não achava isso bonito, não aconselhava. Rumou para o quarto. Debruçou-se no balaiarde da escada e contemplou a sujeira por baixo das unhas, consequência da noite anterior. Simplesmente não entendia aquilo, porque a unha ficava suja, assim como o seus sapatos? Parecia ser um preço pela diversão. "Entre aqui e fique sujo por inteiro" Talvez até a alma, diriam. Subiu as escadas e foi no quarto pegar alguma coisa, mas se esqueceu no momento em que chegou ao cômodo. Analisou os objetos jogados sobre a cama, bateu as cinzas na janela aberta e fitou uma senhora gorda que passava cambaleante sob a marquize do prédio. Ela balbuciava baixinho palavras soltas sem nenhum nexo. Por um momentos quis matá-la, para poupá-la das mazelas da vida. Mas isso era besteira - Às vezes, pensava coisas que pareceriam absurdas se cometidas sem nenhum motivo verdadeiro, em geral tabús. Foi cuidando o andar da senhora gorda até onde a vista da janela permitiu, ou seja, quando ela se perdeu em meio aos letreiros em neon vermelho se apagando e putas baratas se despedindo. Por fim, olhou o passeio lá embaixo e jogou o resto da água. Achou a queda pequena. Talvez sobrevivesse.

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